segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Origem, Produção e Composição Química da cachaça

Uma pequena dose de história...

Não teria havido a cachaça sem a cana-de-açúcar, uma espécie vegetal originária da Ásia e da Oceania, inicialmente usada no Brasil Colônia para a produção de rapadura nos engenhos. Para extrair o suco da cana, usavam-se engenhocas de madeira (moendas) movidas por animais, pelos escravos ou pela força da água. Para separar o álcool do suco de cana fermentado, utilizavam-se os alambiques, que eram em grande parte feitos de barro.


Segundo fontes documentais dos anos de 1762 e 1817, eram obtidos dois tipos de bebida destilada: uma provinha do caldo de cana fermentado e se chamava aguardente de cana; a outra era obtida a partir do que restava nas caldeiras dos engenhos e era chamada aguardente de mel ou cachaça.

Auguste de Saint-Hilaire, em “Viagens pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais” (1817), registrou o gosto geral pela aguardente, incluindo brancos, mulheres, índios e negros.



É evidente, em seus registros, o vício (por vezes desastroso) desses dois últimos pela bebida. Diante da predileção popular pela cachaça, que era mais barata e abundante que as bebidas portuguesas, muitos engenhos passaram a valorizar mais a sua produção do que a do açúcar. Diante disso, a Companhia de Comércio recorreu à Ciência do Conselho da Coroa e, em 13 de setembro de 1649, a Carta Real proibiu a fabricação da bebida em toda a Colônia. Entretanto, uma produção oculta e teimosa continuou e desenvolvendo. Segundo Cascudo (1968, p. 26, 27), esse ato da Coroa foi inoperante, ineficaz e desastroso, impelindo à clandestinidade e ao contrabando da bebida. Em face disso, e sob forte pressão da Colônia, o Rei D. Afonso VI suprimiu a proibição em 1661, mas logo vieram as taxações. 

Em 1756, os impostos de comercialização da aguardente contribuíram para a reconstrução de Lisboa, abatida por um grande terremoto. Existia também o subsídio literário imposto à produção da bebida, destinado às faculdades na Corte. Como conseqüência, a bebida se transformou em verdadeiro símbolo dos ideais de liberdade junto aos Inconfidentes e outros movimentos revolucionários. No tempo da transmigração da Corte para o Rio de Janeiro, em 1808, a cachaça já era considerada um dos principais produtos da economia e era moeda corrente para a compra de escravos na África, sendo também usada como alimento complementar na trágica dieta das travessias do
Atlântico (Cascudo, 1968, p. 25, 26). Durante o século XIX, houve no Brasil um período marcado por sérios problemas sociais e intensificou-se a discriminação em relação à cachaça. 

O Movimento Modernista de 1922 e músicas famosas como “Camisa Listrada” (1935), “Se você pensa que cachaça é água, cachaça não é água não...” (1953) e o samba-enredo da escola de samba Imperatriz Leopoldinense, campeã em 2001, representam algumas manifestações populares contrárias a essa discriminação. Estima-se que existem atualmente no Brasil mais de um milhão e meio de trabalhadores ao redor da bebida, cerca de 40 mil produtores e cinco mil marcas disponíveis para o consumo. Muitos produtores estão organizados em associações e cooperativas e há legislação para produzir e comercializar a cachaça no país. Cascudo (1968, p. 54) a descreveu como a mais comunitária das bebidas, sendo usada em festas, cerimônias tribais, cultos religiosos e oferendas votivas aos mortos, muito além das terras brasileiras.

Produção:

Segundo o Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Cachaça, o país produziu 1,3 bilhão de litros/US$ 500 milhões e exportou 11 milhões de litros/US$ 9 milhões no ano de 2001. A cachaça é a bebida destilada mais consumida no Brasil, na forma pura (Figura 3) ou misturada com frutas (Figura 4), tal como a “caipirinha”, como é preferida no exterior. Há dois modos de produção: o artesanal e o industrial. Novaes (1996) menciona que algumas unidades industriais produzem mais do que 300 mil litros/dia e as unidades menores entre 100 e 1.000 litros/dia, sendo que cerca de 95% da produção nacional provêm das destilarias de médio e grande porte. 
Figura 4: Drinques de cachaças com frutas
Após o plantio, colheita e moagem da cana, processasse a fermentação de seu caldo. É comum ajustar a concentração de açúcar no caldo entre 10° Brix e 14° Brix3 , ideal para a fermentação; para isso normalmente se efetua a diluição com água. O modo artesanal utiliza o fermento natural4  presente no caldo da cana e leva cerca de 24 horas para completar-se. Costuma-se acrescentar fubá, milho moído cru ou tostado, farelo de arroz e suco de limão ao caldo para auxiliar o desempenho do fermento. Nas grandes indústrias o processo é mais rápido (cerca de 5 horas), devido à adição de fermento de panificação.

Adicionam-se, também, vitaminas, substâncias nitrogenadas, à base de fósforo e sais minerais, para favorecer o crescimento e a atividade da levedura; bactericidas e antibióticos, para minimizar a proliferação de bactérias contaminantes; substâncias antiespumantes, para evitar a formação de espumas, e ácidos fixos, para ajuste do pH entre 4,5 e 5,0 (Faria, 1995; Novaes, 2000).

A enzima invertase das leveduras desdobra a sacarose presente no caldo de cana em glicose e frutose, que são depois degradadas em etanol e dióxido de carbono5  (Laluce, 1995): C6H12O6 → 2CH3CH2OH + 2CO2
Através desse processo, as leveduras obtêm energia para o seu metabolismo. Concluída a fermentação, processa-se a destilação do vinho da cana. 

Nessa etapa, ocorre a separação de substâncias, assim como algumas reações químicas dentro dos destiladores (Boza e Horii, 1998). No modo artesanal, esses aparelhos são feitos de cobre (Figuras 5 e 6) e são aquecidos em sua base pela queima do bagaço da cana ou de madeira. 




Uma coluna oca acoplada à parte superior da panela do alambique favorece a condensação de vapores de baixo teor alcoólico, devolvendo-os, por refluxo, à panela. Isto aumenta o teor alcoólico nos vapores e devolve ao vinho substâncias de baixa volatilidade que atribuem mau gosto e acidez elevada ao destilado. Em contato com o vinho, essas substâncias sofrem reações químicas induzidas pelo calor e ação catalítica do cobre, formando outras menos prejudiciais (Novaes, 2000). Esse dispositivo está conectado a uma tubulação encurvada como um “pescoço de cisne”, onde irá ocorrer uma condensação parcial dos vapores e a sua condução para a serpentina, onde a condensação se completa. Como esse aparelho opera de modo descontínuo, a cada “alambicada” o destilado é separado em três porções: a primeira é a cabeça (5% a 10% do destilado total); a segunda o coração (80% do destilado) e a terceira a cauda.

cabeça e a cauda são descartadas ou incorporadas em um novo vinho a ser destilado, enquanto o coração corresponde à cachaça propriamente dita, contendo ao redor de 47,5% v/v de etanol, a 20 oC. O teor de etanol no destilado é medido utilizando um densímetro que o expressa em oGL (1o GL é aproximadamente igual a 1% v/v) ou em unidades Cartier. 

A limpeza dos equipamentos usados na produção de cachaça influi sobremaneira na qualidade da bebida. Durante o processo de destilação, forma-se uma substância esverdeada nas paredes dos alambiques de cobre, o “azinhavre” [CuCO3.Cu(OH)2], resultante de sua oxidação, que é dissolvido por vapores ácidos, contaminando o destilado. Por isso, o alambique tem de ser lavado com água e caldo de limão, que por sua natureza ácida contribui para a dissolução do composto:

CuCO3 .Cu(OH)2 (s) + 4H+(aq) →
2Cu2+(aq) + 3H2O(l) + CO2 (g)

No processo industrial a destilação é conduzida nas colunas de destilação (Figura 7). 


Trata-se de um cilindro de aço inoxidável, com diâmetro variável em função de sua produtividade horária, e altura que varia entre quatro e cinco metros, provido internamente com bandejas contendo as chaminés, as calotas e os sifões. Coloca-se o vinho da cana em sua parte superior, de modo contínuo, de onde vai descendo de bandeja a bandeja, nas quais ocorre a vaporização do álcool devido ao aquecimento do sistema por vapor de água ou outras fontes. Na base da coluna sai o vinhoto, resíduo praticamente isento de álcool. No topo emanam os vapores contendo álcool e demais substâncias voláteis, que são conduzidos através de um condensador, onde sofrem uma condensação parcial, de modo que uma fração do condensado constitui parte do destilado final, enquanto a outra retorna ao interior da coluna. O sistema dispõe de um condensador auxiliar para liquefazer
os vapores que não se condensaram anteriormente. Os destilados alcoólicos provenientes dos dois condensadores passam juntos pela resfriadeira e saem do equipamento. Após ser armazenado em um tanque de ferro revestido com asfalto, o destilado é diluído com água, adoçado com xarope de açúcar, filtrado e engarrafado (Figura 8) (Novaes, 2000). 


A cachaça recém destilada é de difícil degustação, apresentando sabor ardente e seco (Faria, 1995). Para melhorar a sua qualidade sensorial, convém deixá-la envelhecer em recipientes de madeira. Segundo Boscolo et al. (1995), a legislação brasileira não estipula um tempo mínimo de envelhecimento e considera envelhecida a aguardente que contiver um mínimo de 20% da bebida acondicionada em tonéis de madeira, sendo permitida a adição de caramelo para padronização de cor. Lima

Neto e Franco (1994) afirmam que o envelhecimento é resultado de uma série de reações químicas e não confere à aguardente qualquer coloração, que se deve à dissolução de substâncias químicas existentes na madeira dos tonéis onde a aguardente foi acondicionada ou devido à adição de substâncias químicas. 

O processo de envelhecimento ou maturação não é totalmente conhecido; além da perda de água e etanol por evaporação, ocorrem as seguintes reações (Boscolo et al., 1995): 

a) oxidação e esterificação: são reações de álcoois e aldeídos com oxigênio e entre álcoois e ácidos produzindo ésteres:

álcool + O2 → aldeído
aldeído + O2 → ácido
álcool + ácido → éster

b) extração, decomposição, oxidação e esterificação da lignina da madeira: em contato com o etanol, a lignina da madeira forma um complexo etanol-lignina que se degrada nos álcoois coniferílico e o sinápico. Estes álcoois são oxidados produzindo aldeídos, ácidos e ésteres, que atribuirão aroma, sabor e cor à bebida. Polifenóis também são formados na degradação da lignina (Isique e Franco, 2000).

álcool coniferílico + O2 →
coniferaldeído + O2 →
vanilina + O2 → ácido vanílico

álcool sinápico + O2 →
sinapaldeído + O2 →
siringaldeído + O2 → ácido siríngico

c) eliminação de compostos contendo enxofre: tióis e mercaptanas presentes em pequena concentração são eliminados devido à sua elevada volatilidade.

Segundo Novaes (1997 e 2000), tanto a cachaça obtida artesanalmente como a industrial podem apresentar problemas: o uso de água de baixa qualidade na produção, a queima da cana antes da colheita, a contaminação do caldo de cana por hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (benzênicos) cancerígenos oriundos do contato com o óleo lubrificante das moendas, o uso de reagentes que não tenham grau alimentício e outros. Suas considerações sobre a melhoria na produção da bebida no país reconhecem o valor do conhecimento
tradicional associado ao conhecimento científico. A bidestilação da cachaça é considerada adequada por diminuir a concentração de compostos tóxicos, mas apresenta a desvantagem de elevar o preço final do produto. Deve-se também evitar o armazenamento da aguardente no interior de tanques revestidos com
produtos derivados do petróleo (como o asfalto), substituindo-os por revestimentos neutros como o aço inoxidável. Há necessidade de uma revisão dos padrões legais de identidade e qualidade e de uma fiscalização mais
rigorosa. Lima Neto e Franco (1994) chamam a atenção para os problemas de saúde pública e da área comercial relacionados com a produção da cachaça no Brasil, considerando que cerca de 40% da aguardente ingerida no país não é legalmente comercializada. A produção de cachaça envolve uma planta de produção química, sendo necessária a assessoria de profissional qualificado em Química para o acompanhamento e controle da produção, especialmente nas pequenas unidades e naquelas que operam clandestinamente.


Composição Química da cachaça

A cachaça é uma solução contendo várias substâncias químicas. Sua composição depende da matéria-prima utilizada e do modo como a produção foi conduzida. Além da água e do etanol, estão presentes álcoois, aldeídos, cetonas, ésteres, ácidos carboxílicos, compostos de enxofre e outras substâncias. A Figura 9 mostra as fórmulas estruturais de alguns componentes majoritários presentese a Tabela 1 oferece uma ideia da concentração dos mesmos.



Um estudo comparativo de aguardentes obtidas em alambiques de cobre e de aço inox mostrou que as diferenças acentuadas nos teores de acetaldeído, esteres e álcoois são as prováveis responsáveis pelas diferenças sensoriais entre os dois tipos de bebida (Nascimento et al.,1998). Embora exista a inconveniência de contaminação da cachaça com íons de cobrealguns pesquisadores consideram importante a presença do metal nos destiladores, atribuindo-lhe o papel de catalisador na desidrogenação de álcoois a aldeídos e agindo na transformação de compostos sulfurados voláteis no destilado, cujo odor e sabor são desagradáveis (o principal composto dessa classe é o dimetilssulfeto, que é parcialmente oxidado a sulfato nos alambiques de cobre), contribuindo para as qualidades organolépticas da bebida.

Além dos compostos mencionados, uma grande variedade de espécies químicas podem estar presentes, como outros álcoois com 3 a 5 átomos de carbono e superiores (Cleto, 2000), outros ácidos carboxílicos e ésteres (Cardoso et al., 2003), outros aldeídos (Nascimento et al.,1997), compostos fenólicos e partículas suspensas (Isique e Franco, 2000), íons de metais de transição (Lima
Neto e Franco, 1994), uréia, íons amônio e aminoácidos (Polastro et al., 2001), carbamato de etila (Andrade Sobrinho et al., 2002) e outras.



Cachaça é cultura, ciência, tecnologia e educação...

A cachaça ocupa uma posição de destaque na história do Brasil que é pouco conhecida e valorizada. Inicialmente produzida através de tecnologias rústicas e saberes do povo, a cachaça é hoje objeto de pesquisa científica, inovação tecnológica e faz parte de programas de exportação do Governo Federal. Trata-se de um patrimônio cultural do povo brasileiro.

O tema pode ser aprofundado de diversas maneiras nas aulas de Química, envolvendo atividades em alambiques, indústrias, centros de pesquisa, supermercados e outros pontos de venda da bebida; análise de rótulos; ouvir/cantar músicas conhecidas; identificar denominações locais para a bebida e sua presença na literatura e na culinária brasileiras; debates sobre os efeitos benéficos e maléficos do consumo: interações entre o álcool (e outros constituintes) e o organismo humano, o prazer do bem beber (função anti-tristeza, anti-tédio e preocupações, a face festiva da refeição, a compensação da miserabilidade etc.), os limites do beber em demasia (violência, dependência, alcoolismo, acidentes etc.), preconceitos e outros significados.

Notas:

1. Há mais de cem denominações populares referentes à bebida, sendo muito comum o termo aguardente.

2. O PBDAC foi criado em 1997 pela Associação Brasileira de Bebidas (ABRABE), em conjunto com produtores de cachaça e os Ministérios da Agricultura e Abastecimento, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Ciência e Tecnologia.

3. Medida do teor de açúcar realizada através de um densímetro chamado sacarímetro, que relaciona a densidade com o teor de açúcar, expressando-o em unidades Brix.

4. Corresponde à população microbiana proveniente da manipulação na colheita, transporte e moagem da cana, que é constituída por leveduras e bactérias. As leveduras são as responsáveis pela conversão do açúcar em etanol, contribuem na formação de produtos secundários e outras transformações químicas. A mais
abundante é o Saccharomyces cerevisae (Schwan e Castro, 2001, p.113, 114), que é também a mais usada pela indústria (Laluce, 1995).

5. Considerando a produção de 1,3 bilhões de litros de cachaça no Brasil, cerca de 200 milhões de litros de CO2 , um dos gases responsáveis pelo efeito estufa, devem ter sido lançados na atmosfera no ano de 2001 (considerando o teor médio de 45% v/v de etanol e a densidade do etanol como igual a 0,791 kg/L). Lima Neto e Franco (1994) mencionaram o prejuízo financeiro devido à perda de CO2 que poderia ser comercializado e as perdas do próprio etanol (cerca de 10%).

6. O condensador e a resfriadeira podem ser de cobre.

7. A legislação brasileira permite até 5 mg/L de cobre na cachaça (em alguns países o limite é 2 mg/L); o excesso do metal no organismo prejudica a saúde.

8. Composto cancerígeno cuja presença e controle não estão previstos na atual legislação brasileira.

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